Dei aula. Li o jornal e continuei a ler a
revista Veja. Vi televisão. Fiz
palavras cruzadas e sudoku. Vim para o
computador. Recebi um telefonema de uma avó para pagar as aulas de uma aluna
que quase há três meses não vinha aqui. Eu até havia me esquecido. Ela ficou de
vir aqui em casa. Não veio. Deixou no salão onde freqüento..aí fui lá buscar.
Abaixo
vou transcrever mais um capítulo do livro: “ A maior história de todos os tempos: a própria vida” . O
capítulo Eu, Intimamente foi escrito
em 1966:
EU,
INTIMAMENTE
I
Deitada em seu colo e embalada pela música de sua
voz, caminhávamos sem destino pelas ruas do Rio de Janeiro. O balanço gostoso
de seu carro rodando no liso asfalto e o afago de sua mão desocupada do volante
em meu rosto, deixava-me ficar horas e horas assim. Quieta assim. Às vezes, um
vento de setembro vinha beijar todo o meu corpo. Queria que fosse o beijo de
seus lábios. E era da Natureza. Às vezes, adormecia. Ele, suavemente, dizia:
“levanta, venha comigo ver as belezas da cidade. Você quer conhecer o Rio
comigo”?
Passeávamos na beirada da praia. Praia era novidade
para mim. De mãos dadas corríamos. Brincávamos. Coroa Grande. Coroa Grande?
Sim, era esse o nome da praia. E ele me carregava no colo. Colocava-me no chão.
O mar era imenso. Mas não podia ser maior do que aquilo que eu sentia dentro de
mim. O que não sei. Era tão grande, tão imensuravelmente grande, tão
ilimitadamente complexo. E existe. E ficou guardado no âmago de meu ser.
Naquelas lições sem malícia, naquelas lições da vida
que com ele aprendi, guardei muita coisa. Colecionei muitas ambições como a de
ser criança eternamente, a de ver um mundo fenomenal nas pequenas coisas, as
pequenas recordações de nós mesmos. Seu carro era azul. Azul e branco. O mar
era azul. O céu era azul.
– Vamos para o céu comigo? ele sorrindo me
perguntava.
E como era ir para o céu com ele?
Será que ir para o céu com ele, seria melhor que
aqui na Terra? O vento audacioso levantava a minha saia. Banhava o meu corpo de
carícias. O mar gritava ali perto e nossos corpos vinham juntos desde longe.
Gritava o mar indefiníveis sons. Nós ríamos. Falávamos de nada e de tudo.
Ruídos. Silêncio. Coroa Grande!
– Vamos voltar?
E eu voltava. Tinha escondido comigo uma pedrinha
que encontrara na praia. Guardei-a pela vida toda. Se naquele instante fora
lembrança, talvez fosse meu sexto sentido da mulher que se prenunciava.
Continuei carregando a pedrinha. Uma pedrinha que também ficou guardada dentro
de mim.
Lá está, a minha pedrinha, bem escondida numa caixa
de papelão no meu armário chaveado. A nossa pedrinha. Muito quieta e mansa lá
ficou. Porém, estupidamente revoltante e triste também ficou a saudade.
II
Tinha onze anos talvez, quando li que se Deus não
tivesse criado Paris, precisar-se-ia inventá-la. E na minha inocência e
ingenuidade tão puras, comecei a imaginar Paris, querer Paris, amar Paris. Dez
anos depois descobri se Deus não tivesse criado o Rio de Janeiro os homens
precisariam fabricá-lo. É o lugar onde encontrei tudo que lera nos livros:
amor, paixão, revolta, suicídio, grandeza, pobreza, beleza, céu, mar, terra,
soldado, marinheiro, capitão, floresta, jardim, igreja, macumba, cemitério,
flor, traição, bruxa, ódio, crime, sedução, mentira, dor...
Onde nasci e me criei, percebi que só havia céu e
terra. Céu de muitos trovões que à noite chovia “chuva de pedra”, batendo nas
latas de nosso “telhado” e invadia nosso quarto pelas frestas da parede, pelo
teto incerto de latas. Eu morava num barracão e não sabia. Aquilo era a minha casa. Eu gostava dela. Gosto
dela. Tenho saudades. A terra era vermelha. Sem asfalto o barro persistia. Mole
e vermelho. Gostoso da gente pisar, brincar e até comer. Sabe? A gente fazia
comidinha de barro para as visitas. Nossas visitas eram poucas: meu irmão,
cinco porquinhos que tinham entrada franca pela cozinha. O Mulato, um cavalo
baio. O sabiá. O tico-tico. O joão-de-barro. Bob, o cachorrinho bassé. Mimi, a
gatinha malhada.
Minha casa tinha cisterna. E eu não sabia. Eu
conhecia como poço d’água. Mais
tarde, talvez com onze, doze anos, lendo a história de Rapunzel que deixara
suas longas tranças crescerem tanto que batiam no fundo da cisterna... Daí,
perguntei a papai ‘o que é cisterna’? Ele me explicou. Ele sabia tudo. Eu sabia
nada. Ele sabia histórias bonitas. Aprendi que, como em Rapunzel, lá em casa
tinha cisterna. Ela morava num castelo. E eu? Eu!? Caí na real.
Era bom a gente espiar pelo buraco da parede o que
os grandes faziam, com quem conversavam. Eu gostava da minha casa porque à
noite a lua vinha dormir comigo. Mesmo pequena, não sonhava nem sequer morar em
casas de tijolos. A minha era boa. Eu sabia que era pobre e pra que ter
ambições se tudo era tão bom? Mas os livros que fui lendo, as revistas que eu
via, iam, gradativamente, me proporcionando outra visão do mundo. O meu mundo
era muito pequeno, povoado de fantasias. Eu mesma as criava. Tinha umas
garrafas velhas que eu dava nomes de gente e criava situações para elas. De
tarde punha “meus amigos” para dormir. Então deitava as garrafas. Quando elas
tinham “fome” e as destampava e botava folha de maravilha. Como eram bonitas as maravilhas lá de casa! Elas nasciam
sozinhas no meio do mato. Eram vermelhas, que mamãe as chamava de grenás. Ou
grenás?
Eu também amei minha goiabeira. Trepava lá nas
grimpas, só para espiar. Para cima, o céu. Para longe, o mato. Para perto, os
nossos porcos. Ah, galinha não tínhamos, ave alguma. Mas o joão-de-barro ia
enfeitar nosso quintal na jaqueira. Fazia umas casinhas sem janela, só com uma
porta. E eu os via a namorar. Eram bonitinhos. Às vezes tinha vontade de ser
como eles, brincalhões, espertos. O tico-tico era malandro como ele só:
passeava pela cozinha. Só eu chegar perto, ele voava. E o sabiá? Todos iam
morar ali por perto. Até gambá tinha. Fedia. Mas tinha. Tinha também o Mulato.
Papai dizia que ele era um cavalo baio. Eu queria que ele fosse alazão. Mas até
hoje eu não sei o que quer dizer alazão. Nem baio.
Talvez por causa disso tudo, é que eu gosto tanto
dele (ele – não o cavalo). Ele me
mostrou outro céu. O mar que eu não conhecia. Vi veleiros. Vi barquinhos. Vi
peixes saindo da água vivos. Mas nunca chuva de pedra.
Minha casa no Rio de Janeiro nunca tivera buraco na
parede...
III
Por que? Porque, porque... isso vem impresso em minha
cabeça, como se fosse a memória de um computador. Só sei perguntar “por que?”.
Não sei responder porque. Não dá para explicar. Não, não dá.
Uma cama bonita, a primeira que tinha um colchão
decente, mas por que o sono não vem? É uma obsessão. É ele. O seu perfume. O
seu hálito. O seu sorriso. Aquele sorriso está em todo lugar. No meu quarto,
nos livros, na rua, na cara dos amigos, nas árvores da avenida. Tudo que é
bonito tem um pouco de seu sorriso. A cabeça dói. O sono não vem. Viro daqui,
viro de lá. De bruços. De costas. Cabeça para os pés da cama. Tiro pijama. Boto
camisola. Não, não é. Tomo banho. O sono sumiu. Leio O Pequeno Príncipe. É chato. Amanhã tenho de me levantar de
madrugada. Meu Deus... estou chorando! Chorando, por que? Tenho vontade de morder
o travesseiro. Que desaforo! Quero.
Eu o quero comigo. Quero ouvir sua voz. Nada além disso. Quero estar com ele.
Sim, ele é isso. Tristeza. Tontura. As lágrimas teimam em descer
desavergonhadamente.
Quem sou eu? Estive sempre com a sensação de estar
apagada. Parece que começo a renascer para mim mesma. Tomo consciência o que
conta realmente e o que vem de dentro. O que converge para o exterior. O
instinto animalesco e a candura se misturam e se expandem. Antes, reprimia o
instinto; talvez também por instinto. Sentir o ar da Zona Sul, cortar as
sombras dos edifícios com o carro é como se eu penetrasse nas nuvens,
caminhando convictamente para o céu. Flamengo de paralelepípedo, que fazia
trepidar nosso carro, sacudindo-nos e ainda mais fortalecendo nossos instintos.
Botafogo de casas antigas. Só conhecia casas novas, embora muitas delas fossem
construídas de material velho. Botafogo penetrava em meus olhos. Ficava dentro
de mim. Copacabana de bandeiras coloridas, de mulheres e homens coloridos pelo
mar, sol e sal da praia. Ipanema de palmeiras. Parece filme. Leblon. Sonho.
Barra da Tijuca. Boa Vista. Fontinha. Ele é verdade? Eu existo? Você existe?
Estamos juntos?
O amanhã foi para mim sempre a esperança de um dia
melhor, mais ameno, um dia de esperança. Mas quanto se enganava aquela menina
tola e inexperiente. O amanhã é sempre a soma de mais dias vividos. E não há
dia vivido que não tenha uma ponta de sofrimento. A vida é uma dor que temos de
enfrentar incansavelmente, para que possamos suportá-la e vivê-la.
IV
A garganta doía-me. A voz era grossa e quase
incompreensível. Começava já a emagrecer. Era a primeira a emagrecer. Era a
primeira marca da luta que eu teria de enfrentar pela vida afora. Fui operada
da garganta e de adenóide. Corria até à casa da Vó Tereza para que ela me
contasse aquelas lindas histórias de fadas e príncipes encantados. Depois eu
ganhava arroz carreteiro. Daquele que só ela conseguia fazer. Em minha casa era
só arroz com feijão com muita água. Ou eu ia à casa da Vó Luzia. Ela não
contava histórias. Mas tinha tantas coisas para nos dar: pamonha, curau,
vatapá, carne assada, paçoca...
Vó Tereza descascava as laranjas fazendo-lhes pilão.
Nunca vi depois alguém fazendo pilão em laranja. Uma faca afiadinha com ponta
fina e a Vó dava uma volta na faca em rotação. Com carretéis ela fazia
carrinhos para nós brincarmos.
Hoje, a vida tão cedo ainda, deixou-me uma coleção
de amarguras. A Vó Tereza onde está?
Deus a levou. Foi a primeira vez que chorei desesperadamente. Uma
tristeza profunda invadiu-me. Foi a primeira derrota que o destino me
reservava. E de derrota em derrota, venho enfrentando essa vida tão difícil de
ser vivida. Cadê o tio Henrique? Também ficou. Vô Clarimundo e suas estórias,
os seus “causos” de mineiro que correu mundo. Mas cadê? Procuro a todos, mas
não encontro. E a minha única boneca que tia Terezinha fez de pelego vermelho?
Era uma bruxa. Mas eu a amei. Talvez por ter sido a única boneca que carreguei
nos braços. Depois ganhei outras tão pequenas que se perderam no tempo. E que
não consegui, na vida de criança, ter uma que fosse minha, que eu devesse
chamá-la de “a minha criança”. Não poderei nunca dizer o meu filho! Desde cedo,
o destino tirou-me dos braços o que todas as mulheres tiveram.
O meu quintal agora tem casas de aluguel. As
“maravilhas” desapareceram. O Mulato morreu. O cavalo que tanto nos ajudou. Eu
o considerava um irmão mais velho. O Bob, o meu cachorro malhado. Nunca mais vi
cachorro malhado. Mas ele era. Quando eu era criança, não sabia que existia gente
preta ou branca. Todos eram iguais. Nunca tinha reparado, quando na Escola
Pública aprendi na Cartilha que no mundo existiam três raças. Mesmo assim nunca
dei importância. Mas agora, e agora? Eu sei que o preconceito de cor existe no
mundo inteiro. Por que? Não sei, não sei. O mundo, o meu mundo mudou
enormemente. Não podia mudar. Não devia mudar. Não queria isso, porque meu avô
materno continuou negro casado com uma mulher de olhos azuis. Meu avô paterno
de olhos azuis era casado com uma mulher morena de olhos castanhos.
Não queria isso. Agora só queria ele.
Até ele mudou.
Talvez ele fosse sempre mudado!
Ele já era adulto!
A frase do dia: “Aprendi
com as primaveras a me deixar cortar para voltar sempre inteira (MEIRELES, Cecília, escritora brasileira apud Jornal A Tarde, de 26 de setembro de 2013. Pág.
2).
É
uma associação bonita que Cecília Meireles fez com a poda das árvores na
primavera e o sentimento e emoções. “Cortar” quer dizer se desfazer das coisas
que atravancam a nossa caminhada. Só assim a gente pode se refazer e tornar
inteira.
26 de setembro de 1909, fundação do
cinema mais antigo do mundo, o Kino Pioneer (Cine Pioneiro), por Albert
Pitzke na cidade alemã de Stettin (atualmente SZczecin, na Polônia). Em 26
de setembro de 1983, Stanislav Petrov evitou
início de conflito nuclear com os Estados Unidos. Em 26 de setembro de 1936,
nasceu o escritor brasileiro Luís Fernando
Veríssimo. Em 26 de setembro de 1940, nasceu o ator brasileiro Cláudio Marzo. Em 26 de setembro 2000,
morreu o violonista brasileiro Baden Powell.
Em 26 de setembro de 2001, morreu o escritor e diretor de telenovelas Walter Avancine. Hoje é comemorado o
Dia do Profissional de Relações Internacionais
e Dia Interamericano do Profissional de Relações Públicas.
Uma boa notícia que deu no jornal A Tarde, de 26 de setembro de 2013, 5a.
feira: “Cinema – Filme baiano Depois da
Chuva ganha três prêmios em Brasília”. Filme conquista prêmios de Melhor Ator, Roteiro e Trilha Sonora em festival cujo grande
vencedor foi o longa Exilados do Vulcão.
Com três troféus Candango, o
longa-metrage baiano, de Cláudio Marques e Maríli Hughes, foi um dos mais premiados
na festa de encerramento do 46°Festival
de Brasília do Cinema Brasileiro, que invadiu a madrugada ontem. O grande
vencedor foi o drama experimental Exilados
doVulcão, de Paula Gaitán.
Uma notícia ruim que deu no jornal A Tarde, de 26 de setembro de 2013, 5a.
feirado: “Desrespeito –
Bahia ocupa o 2º. lugar no País em mortes por violência contra mulher”. A
Bahia é o segundo estado com o maior número de casos de morte de mulheres decorrente
de violência doméstica. Entre os anos de 209 e 2011, o estado registrou uma
taxa de feminicídeos de 9,08 casos por 100 mil mulheres. A Lei Maria da Penha,
criada para coibir este tipo de violência, foi sancionada em 2006.
Li no Jornal A Tarde, de 26 de setembro de 2013, 5ª. feira, que trouxe a
seguinte manchete: “Infraestrutura –
Obras ameaçam festa
de Réveillon no Farol da Barra”. As obras de requalificação
da orla, que começarão na semana que vem e têm previsão de término para mio de
2014, ameaçam a realização da tradicional festa de Réveillon deste ano no largo
do Farol da Barra. Segundo o secretário municipal da Casa Civil, Albérico
Mascarenhas, a prefeitura já estuda outro ponto para a realização da festa: Rio
Vermelho ou Jardim de Alah.
Li na Revista Veja, de 25 de setembro de 2013, que trouxe a seguinte
manchete: “Brasília, 18 de setembro de 2013”. A
Justiça se curva. Os mensaleiros riem. O Supremo Tribunal Federal reabre o
julgamento e pode livrar os chefes mensaleiros da prisão – o que será a mais
cristalina demonstração de que os poderosos continuarão trinfando sobre a
Justiça.
Veio acompanhando a revista uma
edição especial de Os 45 primeiros anos de Veja. Muito boa a
Edição Especial. Fez com que eu revolvesse o passado e recordasse de minhas
vivências. Ainda estou lendo porque são 290 páginas!
Até amanhã meus fiéis seguidores!